sábado, 6 de junho de 2009


COMBATE À VIOLÊNCIA OU ARBITRARIEDADE?


Estamos assistindo, nos últimos anos, ao batido espetáculo de entrevistas sobre o famoso “Boa Noite Teresina”. Em vários locais, o assunto já foi tema de longas teses e discussões. Mas, será se as pessoas estão conseguindo enxergar com a devida clareza o que realmente está acontecendo?

Na verdade, não podemos discutir um assunto tão complexo, sem termos uma visão panorâmica do atual cenário envolvendo a relação do poder público com a população. Nosso país está passando gradativamente por uma falência dos serviços públicos básicos de saúde, educação e segurança. Para compensar tamanha inoperância, fomos obrigados a ter plano de saúde particular, pagar para estudar e nos cercamos de pregos, arames, grades e, mais recentemente, cercas elétricas.

Como se não bastasse, ainda estamos vendo as infindáveis denúncias de corrupção envolvendo as grandes autoridades do país, comprovando que nosso dinheiro só não consegue bancar um bom serviço público, devido à sangria para o bolso (ou cueca) das autoridades.

Nesse contexto, o poder público poderia enfrentar duramente a questão, mas, ao contrário, tem feito um incrível trabalho de desviar o foco dos assuntos graves para terceiros. Com efeito, a culpa pela corrupção não é dos políticos, mas do povo que votou neles; a culpa pela violência não é do poder público, mas de você que tem arma em casa; a responsabilidade pelos acidentes, assaltos, consumo de drogas, etc.. não é das autoridades, mas dos proprietários dos estabelecimentos noturnos e das pessoas que gostam de sair de casa à noite.

Ora, é bem mais cômodo para a Secretaria de Segurança trancar todos os cidadãos em casa, do que fazer investimentos em policiais treinados, compra de viaturas e contratação de pessoal. Logo, o raciocínio é bem simples. Se o Estado não tem como (ou não quer resolver o problema de frente), é melhor isolar as pessoas de bem em casa e deixar que apenas os bandidos perambulem pela madruga na solidão melancólica das ruas de Teresina. Assim, eles não terão como fazer assaltos.

Na verdade, não se pode encarar um problema tão complexo como o que se discute com uma visão tão simplista e maniqueísta, afinal de contas o mundo não é simplesmente. O problema de segurança em Teresina não é bilateral. Vários fatores estão envolvidos, tais como a deficiência operacional da polícia, a falência do sistema educacional, o desemprego, a desordem das ocupações, entre várias outros.

Logo, a violência não pode simplesmente ser atribuída àqueles que, fugindo do calor e da ausência de praias, buscam diversão na nossa tradicional animada noite, amenizando a correria do trabalho e das aulas. Nossa rotina mudou ao longo dos anos. A maioria dos universitários somente sai das aulas depois das 22:00h. Chegamos cada vez mais tarde do trabalho e, após tomarmos um bom banho e descansarmos alguns minutos, queremos sair durante a noite para jantar, beber alguma coisa e encontrar os amigos. Só isso!!!

Muito se fala que nas demais capitais nordestinas a agitação noturna acaba mais cedo, ou que na Europa o povo não fica de madrugada na rua, etc. Mas isso é óbvio, pois, nas outras capitais, todos adoram dormir mais cedo pra aproveitar uma praia no dia seguinte. Aqui, temos que dormir mais tarde, para passar a manhã sonhando com uma praia distante. Na Europa, as boates funcionam sem restrições radicais, contudo, os bares fecham cedo porque a população anda de transporte público (que funciona bem!!), que é praticamente suspenso meia noite e, com isso, motiva uma volta mais cedo para casa.

Percebe-se, então, que a questão é bem mais complexa do que vermos a coisa apenas como se quem gostasse de sair durante a noite fosse um bicho papão ou o lobo mau. Vivemos numa democracia, e a população que paga o salário dos governantes não foi consultada efetivamente se concordava ou não com as medidas restritivas de direitos. Os donos de trailers, restaurantes e casas noturnas foram pegos de surpresa e não puderam se organizar para dar suas opiniões previamente. Apenas foram obrigados engolir o sentimento de culpa por alguém usar drogas em suas dependências, quando na verdade a culpa é da polícia que não consegue combater o tráfico de drogas na sua raiz.

Mas a tática é virar o jogo sempre é eficiente. Está na moda virar o jogo. A permanecer essa tendência, em breve não poderemos viajar mais durante a noite, porque existem muitos assaltos nesse período. Logo a culpa não é do poder público, mas de quem prefere fugir do sol e viajar de forma mais amena. Nesse silogismo simplista, eu não embarco!

Ademais, todos nós temos o direito constitucional de ir e vir, afinal, sendo maiores e capazes, podemos ter a liberdade de querer estar em algum restaurante na hora que bem quisermos, pois cabe a cada um escolher seus hábitos e preferências, sobretudo porque estamos pagando pelo serviço e contribuindo com a circulação de riquezas do consumidor para o proprietário do local e seus funcionários, fornecedores, etc.

O Teresinense adora comer um sanduíche depois dos eventos noturnos, fazendo com que existam centenas de trailers que têm o pico de venda por volta das quatro ou cinco da madrugada. Dessa forma, os consumidores, empresários e trabalhadores podem e devem se relacionar até a hora que lhes for conveniente, afinal não estão matando nem assaltando ninguém, mas apenas satisfazendo suas necessidades.

Não se trata aqui de defender as inúmeras irregularidades que existem em vários locais, pois realmente existem muitos pontos que causam poluição sonora e outros males, mas tais problemas também são amplamente vivenciados por aqueles que trabalham durante o dia.

Recentemente, passei dez dias no “temido” Rio de Janeiro e não vi absolutamente nenhuma cena de violência e, muito menos, nenhum tipo de toque de recolher. A cidade vibra dia e noite com bares e restaurantes abertos. As causas da violência são outras!!

Ao chegar no aeroporto de Teresina e me deslocar até meu apartamento, filosofei sobre a melancólica situação da fantasmagórica noite de nossa capital. Ninguém nas ruas! Quase nenhum carro, quase nada na pacata cidade, além da cajuína cristalina que, por sinal, os cearenses já estão fabricando e talvez vendando mais que nós mesmos, afinal, em Fortaleza o comércio funciona dia e noite.

Fica claro, então, que se há problemas de violência em nossa querida Teresina, estes não são causados efetivamente pelas atividades noturnas. Na verdade, o que ocorre na noite é o mero resultado da nossa cultura, hábitos, desigualdades sociais, desemprego, etc... Logo, se há violência na nossa madrugada, que a polícia prenda os envolvidos e a justiça condene os culpados. Caso contrário, estaremos cometendo o erro de atacar os efeitos e não as causas dos nossos problemas.

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